Propomo-nos a tratar neste texto do tema d’A Questão de facto e a Questão de Direito: distinção e consequências no Direito moçambicano. (Para o texto integral clique aqui)
O Direito é estudado, cultivado, aplicado e até mesmo pensado sempre sob o signo de um postulado geralmente tido como dado, de modo pacífico: o postulado do binómio facto-norma, ou se quisermos, o postulado do binómio «facto» e «Direito».
Há uma crença generalizada de que a experiência jurídica implica a aceitação – e, de certo modo, o entendimento – da existência de duas categorias de realidades, ou, mais correctamente, de duas ordens de realidade, de dois mundos: o mundo do ser e o mundo do dever ser.
O facto pertencerá, assim, a esse mundo do ser, da realidade dada, a realidade concreta, neutra, desprovida de qualquer significação normativa, ao mundo do ser… o mundo do caso.
Diante desse mundo neutro, dessa realidade a-jurídica, existe o mundo do dever ser o mundo normativo, constituído pelo conjunto de normas de carácter geral, abstractas, hipotéticas, destinadas a ser aplicadas aos factos, conferindo-lhes significado e consequência no mundo do dever ser. O facto, entidade concreta, deve subsumir-se à norma, entidade abstracta.
Desse postulado, resulta que a actividade forense pode incidir a sua investigação na determinação e delimitação das realidades próprias do mundo do ser – e aí teremos a questão de facto – bem como pode, já com base em conceitos dotados de valor normativo e jurídico, indagar sobre o valor dos mesmos factos na tentativa de lhes conferir um significado já hipoteticamente fixado pela norma – e aí teremos a chamada questão de Direito.
Intentamos no presente texto – numa abordagem que desde já se reconhece modesta inconclusiva – reflectir à volta da distinção destas duas questões.
Para tal, começamos por abordar a genérica distinção entre «facto» e «Direito», num caminho que necessariamente leva à distinção entre a questão de facto e a questão de Direito.
Partindo dos dados aí apresentados, pomos, a seguir, em causa a validade do próprio problema da distinção de questão de facto e questão de Direito, nos moldes em que o assume o modelo silogístico-subsuntivo da aplicação.
Porque inevitável, é com António Castanheira Neves que tentamos sustentar no segundo capítulo que o problema da distinção é, na verdade um problema em crise, um problema insanavelmente votado à sua própria insolubilidade, quando apresentado na perspectiva do modelo do silogismo judicial, mas é também com Castanheira que tentamos, ainda no mesmo capítulo, seguir o caminho inverso: o da assunção e reposição do problema.
No terceiro Capítulo fazemos uma revista do nosso processo – do nosso Processo Civil – e da nossa Organização Judiciária, na tentativa de surpreender aí as «marcas» que a distinção deixou como suas consequências.
E terminamos com algumas notas conclusivas.