Abrimos o ano de 2015 com a série "Luzes".
A série será feita de breves reflexões em jeito de provocações sobre diversos aspectos do nosso Direito Moçambicano.
O Direito tem como fim essencial a materialização da justiça (podendo mesmo classificar-se de não-Direito o sistema de normas que em absoluto não responda a esta preocupação).
Ulpianus, há séculos, definiu a justiça como a vontade perpétua de dar a cada um o que é seu, definição que acentua a obrigação de igualdade de tratamento entre as pessoas (igualdade esta que, diferente do igualitarismo, não significa nivelar a todos, escamoteando as diferenças que são próprias na sociedade e sim que a quem tem mérito, deve ser dado o prémio e a quem merece o castigo, deve-se também dar esse castigo que é "seu").
Os cultores do Direito, especialistas no uso do verbo, cultivaram uma diferença entre o que chamam de justiça formal (que seria o tal "dar a cada um o que é seu" mas na perspectiva aceite ou determinada pela lei vigente) e o que chamam de justiça material ou justiça concreta (que, com a pretensão de ir para além da lei, mas certamente não contra ela nos seus elementos imperativos, tenta ser o garante de uma atribuição efectiva do resultado do mérito e demérito dos cidadãos).
Há quem, por isso, coloque a questão de se determinar se deve existir como conceito prevalecente de justiça "aquilo que a lei diz", à boa moda do positivismo legalista, ou se o justo (como tal reconhecido pelos tribunais) deve ser o que, ainda que para além do preceito legal, seja assim tido pela "consciência colectiva" como tal.
Diante do conflito entre a "forma" e a "substância", entre "o processo" e a "verdade" por onde se deve decidir o julgador?
Em termos concretos: o juiz recebeu uma petição devidamente fundamentada e provada com todos os elementos relevantes para uma decisão favorável ao queixoso e desfavorável ao demandado. Mas a petição entrou fora do prazo que é estabelecido por uma certa lei.
O direito actual é claro nestas situações, estabelecendo que essa petição deve ser rejeitada, fazendo prevalecer uma lei de forma (do procedimento) à própria substância do diferendo (o mérito da causa) que nem sequer chega a ser analisado. O processo, por isso, sobrepõe-se à verdade.
As razões militando a favor desta solução são inúmeras e muito bem fundadas. Mas o seu número e o bem-fundado dos seus motivos não chegam para apagar a luz que acende em nós quando decisões desta natureza nos aparecem em concreto, como têm sido os casos dos Acórdãos do nosso Conselho Constitucional sobre matérias eleitorais onde, quase sempre, as questões de forma e de processo, prevalecem sobre as questões substantivas, com um grande ganho para a desejada segurança jurídica mas com alguma perda para o alcance da justiça material que se almeja em qualquer processo.
As normas da arbitragem parecem aflorar o problema quando permitem que as partes possam convencionar a permissão de os árbitros decidirem segundo a equidade (julgamento em vista dos interesses efectivos em causa) afastando a estrita legalidade (julgamento em vista dos direitos conferidos por lei).
O problema não é novo e nem é de resolução definitiva, pelo que fica a provocação: que justiça? O Processo ou a Verdade?
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