(Texto preparado de acordo com as lições dadas às turmas do 4.º ano (diurno) e 5.º ano (pos-laboral) da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, no ano de 2014. O Texto tem fins meramente didácticos e ostenta as limitações próprias de um resumo para uma aula, não dispensando, por isso, a leitura de obras que aprofundam o tema.)
- Os Realismos…
Há vários realismos jurídicos. Desde logo, fala-se
de um realismo jurídico clássico ou Escola Clássica do Direito Natural, que
é, na verdade, uma vertente do jusnaturalismo e que “procura o Direito nas
coisas e nas relações sociais axiologicamente correctas. A visão ou acepção de
Direito que privilegia é a objectiva, entendendo, assim o Direito, antes de
mais com o sentido do devido, coisa devida”[1].
Não deve este realismo jusnaturalista (desenvolvido por Aristóteles e pelos Romanos,
incluindo S. Tomás de Aquino), ser confundido com os realismos positivistas que aqui nos interessam, designadamente o realismo jurídico norte-americano e o realismo jurídico escandinavo.
- O Realismo Jurídico
Escandinavo
O Realismo Jurídico Escandinavo[2], desenvolvido a partir da
chamada Escola de Upsala, (Escócia, mas também Dinamarca) foi iniciado por Axel
Hagerstrom (1868-1939) e apresenta alguns pontos importantes de contacto com o
positivismo jurídico, nomeadamente na sua visão sobre o Direito Natural.
a)
Plano gnosiológico - O ponto
de partida do realismo jurídico escandinavo pode ser encontrado no plano gnosiológico.
O realismo critica e rejeita por completo toda e qualquer metafísica (apelidando-a
de conjunto de palavras cujo estatuto epistemológico
é impossível de determinar) e sustenta que apenas o “real” (o mundo empírico,
aquilo que ocorre no espaço e no tempo) pode ser objecto de investigação
científica.
b)
Plano axiológico - Já no plano
axiológico, os cultores deste realismo atacam os juízos morais (do “bom”, do “mau”,
do “justo”, do “injusto” etc.) afirmando que os mesmos não indiciam qualquer
qualidade objectiva dos objectos ou realidades a que se reportam. Os juízos morais
mais não são do que expressão emotiva e subjectiva da reacção ao prazer ou à
dor que uma certa realidade (um certo objecto) cria no sujeito que emite o juízo.
Trata-se, portanto, do resultado da experiência emocional do sujeito sem
qualquer correspondência com a realidade empírica a que os mesmos juízos se
reportam.
Assim, concluem os realistas, não é possível uma axiologia
objectivista, uma ciência da moral cultivada de modo objectivo e universalmente
válido, porquanto, os juízos morais, sendo subjectivos e emotivos, não são verdadeiros
nem falsos.
c)
Plano jurídico - No plano do
Direito, a primeira consequência da concepção realista é a completa rejeição do
Direito Natural, que é visto como consistindo numa ideia metafísica sem
qualquer fundamento científico. Neste ponto, o realismo jurídico coincide com o
positivismo, porquanto ambos rejeitam a ideia do Direito Natural, sob pretexto de
que esta não é uma realidade demonstrável e cognoscível pelos sujeitos. Direito
é apenas o Direito positivo.
Mas o realismo jurídico
vai mais longe. Com efeito, esta corrente também rejeita a ideia de direito subjectivo, por se reportar a uma
realidade tida como metafísica e que não ocorre no espaço e no tempo.
Por outro lado, e aqui
contrariando a visão do positivismo jurídico, o realismo não vê o Direito como
resultado da vontade do povo (portanto,
aqui não se verifica a tal atitude voluntarista face ao Direito – que é própria
do positivismo). O Direito, para o realismo, é apenas um sistema de regras para
os órgãos do Estado (trata-se de regras cujos destinatários são os órgãos do
Estados – que por elas são criadas – e cujo objectivo é traçar as directrizes
de conduta desses mesmos órgãos em cada situação específica) e que asseguram
determinadas vantagens aos indivíduos.
Assim como rejeita a
ideia do direito subjectivo, o
realismo igualmente não admite conteúdo ao dever
jurídico. Este, no entender do realismo, consiste apenas no facto psíquico
de alguém se sentir obrigado, acabando por cumprir o dever apenas por medo de sanções
que lhe podem ser aplicadas pelo aparelho estadual.
Segundo o realismo
jurídico, os conceitos jurídicos (como direito
subjectivo, dever jurídico etc.)
têm uma essência mágica ou mítica, não tendo qualquer correspondência no plano
da realidade, sendo que a realidade jurídica consiste no facto da força aplicada
pelos funcionários e na base psicológica da obediência que, as mais das vezes,
torna desnecessário o uso dessa força, pelo que, em última análise, o Direito
pode ser conceituado como mera ameaça do uso da força.
Transfere-se assim o
foco, no que respeita àquilo que se pode ter como essência do Direito, da dimensão normativa para a dimensão factual.
O Direito não consiste apenas em normas; ele é também facto. Ele é,
essencialmente facto, o facto da conduta dos juízes que o interpretam e o
aplicam, pelo que “para dizer o que é de facto o Direito ou para encontrar a
sua verdade, precisamos de olhar para o Direito
em acção, ao contrário do que pressupõe a análise doutrinária do Direito nos livros”[3].
Conclusão
O Realismo jurídico
escandinavo é assim uma corrente que tenta responder ao problema ontológico do
Direito (quid jus?). Nesse debate,
podemos afirmar que, acima de tudo, o realismo encara o Direito não prioritariamente
sob o aspecto normativo e sim sob o aspecto factual. A realidade do Direito não
se encontra apenas fazendo a exegese das normas e sim analisando o modo como o
Direito se aplica na sociedade como facto concreto que se manifesta nas decisões
dos juízes. Na senda do empirismo filosófico, o realismo vai rejeitar tudo o
que não seja susceptível de demonstração empírica, nomeadamente, o Direito Natural,
e, bem assim os próprios conceitos do Direito positivo (como são os casos de direito subjectivo e dever jurídico). A ética, por se fundar em juízos que só espelham manifestações
emotivas de reacção ao prazer ou à dor, não recebe o estatuto de ciência em
sede do realismo jurídico.
Apesar de denotar
amplas áreas de contacto com o positivismo, o realismo difere-se do positivismo
num ponto essencial: ao apresentar o Direito não como resultado ou manifestação
da voluntas populi – vontade popular –
uma ideia cara ao positivismo) e sim como mero conjunto de regras dirigidas aos
órgãos do Estado, determinando a acção destes em todo o momento.
Bibliografia Principal
- BRAZ
TEIXEIRA, António, Filosofia do
Direito, AAFDL, Lisboa, 1987
- CUNHA,
Paulo Ferreira da, Sintese da
Filosofia do Direito, Almedina, Coimbra, 2009
- MORRISON,
Wayne, Filosofia do Direito,
trad., Martins Fontes, S. Paulo, 2006, p.9
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