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12/03/2010

«A lei não concede condições avantajadas aos ricos» Reacção de Alberto Manuel

Reagindo às minhas provocações no texto anterior, o meu amigo e camarada, Alberto Nhama Manuel, enviou-me por e-mail um extenso texto, apresentando a sua posição sobre a matéria aqui em debate. Pela riqueza do texto, não resisto à tentação de o publicar na íntegra, a seguir, dando a todos a possibilidade de o ler e continuar no debate.

«Não consigo aceder ao texto publicado, embora haja uma indicação clara da possibilidade de poder ler.

“Lei de terras favorece aos ricos...” se este é o entendimento que os autores daquele relatório chegaram, cabe a eles encontrarem os fundamentos mais ajustados para sustentar.
Este entendimento não se encontra nem no espírito nem na letra daquela lei. Sendo a terra um bem público por excelência, não se pode chegar a uma conclusão senão a sobejamente conhecida: a terra não se vende.

Com efeito, toda a discussão sobre a “venda de terra” desenvolve-se à margem da lei e da Constituição. Por isso, todos os artifícios usados a ponto de transferir a propriedade sobre terra fazem-se para se esquivar dos efeitos pretendidos pela lei - fraude a lei.

Sendo a venda de terra, um acto ilegal e conseqüentemente condenável é ridículo discutir a quem é que este mal aproveita. Diante do mal não podemos discutir a quem é que este aproveita, mas sim encontrarmos os mecanismos de sua superação. Um benefício que advém através de actos contrários a lei é um benefício ilícito e indigno.
Lembre-se que a lei de terras é a que foi larga e amplamente discutida em todo Moçambique independente. É um exemplo a seguir de modo que, se o pacote eleitoral fosse discutido nos mesmos moldes, provavelmente não haveria tantas diferenças (entre partidos, doadores e outros interessados no processo) que podem provocar a restrição do financiamento do Orçamento Geral do Estado pelo doadores externos.

Por outro lado, a lei não concede condições avantajadas aos ricos (pois, como dissemos, este entendimento não resulta da lei), mas sendo uma camada com um alto poder de compra é natural que consigam comprar muito mais do que o cidadão pacato. Mesmo se este negócio fosse legal, o cenário seria o mesmo.

Não se pode pensar que a solução deste erro passa pela proibição da compra da terra pelos ricos, pois, como disse Samorá Machel, “o ambicioso muda de tática”. Ou seja, esta camada encontraria outros mecanismo de comprar.

O pior é determinar a privatização da terra. Muitos cidadãos, movidos pelo espírito de ganância e ignorância alienarão a sua propriedade e que num futuro não muito longíquo vai emergir o maléfico fenômeno dos sem terra. se hoje muita gente pratica a agricultura, pecuária e outras actividades produtivas, aliviando a sobrecarga do Estado no provimento dos bens básico, aí é que o pobre estará ao serviço do rico que ontem comprou a sua terra. o pobre não mais conseguirá prover os seus bens básicos, a classe campesina poderá diminuir significativamente assim também a agricultura de subsistência. Não consigo imaginar Moçambique, hoje, sem agricultura de subsistência!

QUAL É A SOLUÇÃO??

O que o legislador deve asseverar é que a “terra pertença ao Estado”. Além disto, deve se estabelecer condições da sua efetivação (assegurar que a terra efectivamente seja do Estado), bem como impor sanções graves aos que usando a fraude a lei, vão se apropriando do que legalmente é impossível.

O fenômeno de venda de terra é uma realidade. Tanto na cidade (incluindo bairros periféricos) como no campo está repleto panfletos anunciando a compra e venda de terra, talhões ou coisa parecida. Negar este fenômeno é tornar se ridículo ou ignorante do social Moçambicano.

Relativamente à reação do pelouro do IPI, eu concordo com a sua posição. Aliás, já defendi este posicionamento ontem. Dizendo, quer a nível legal (o Estado moçambicano ratificou também uma vasta legislação do Direito Internacional) quer institucional, existe sinais visíveis da proteção desta categoria de direitos fundamentais. Podem existir algumas dificuldades, mas não compreendo a razão da “sentença” do relatório em relação a esta matéria ou direitos.

Relativamente à provocação do autor, ultimo ponto, julgo ter elucidado qual é o meu posicionamento em relação a esta matéria.

As conseqüências da privatização da terra são excessivamente nefastas do que a sua estatização, em moçambique.

Isto resulta do facto, em moçambique a terra não é, apenas, um espaço para construção de casa ou de infra-estruturas públicas ou privadas (por exemplo, comerciais). A terra no solo pátrio é, fundamentalmente, uma fonte de sobrevivência. Lembre-se que moçambique é, hoje, um país fundamentalmente agrícola e a agricultura que se pártica é de subsistência. Privatizar a terra é proporcionar um ambiente favorável e legalmente protegido que os ricos estejam numa posição mais avantajada na aquisição da terra.

Portanto, deve, o Estado Moçambicano, determinar que a terra seja propriedade do Estado e reprimir (criminalmente e facilitar que a sua marcha processualmente dependa de mera denúncia do particular) a fraude a lei ou a compra e venda da terra. Até aqui a compra e venda da terra é nula, mas pode ser criminalizada.

Será que o Direito pode ser Emancipador (legitimidade vs legalidade)?

Muitos autores (principalmente os cientistas sociais) afirmam que todas as leis devem ser legítimas (no sentido de conformidade com a vontade popular). Com efeito, legalidade ilegítima é uma violência porquanto impõem uma estranheza ao modus vivendi socialmente aceite.

Nesta perspectiva, o Direito enquanto fruto do espírito humano (diferente das leis naturais) e regulador da sociedade jamais pode impor uma inovação do social.

Hoje este entendimento se bem que não foi abandonado, conhece muitas variações ou nuances. Com efeito, o Direito enquanto uma realidade deôntica, que exprime o dever ser, nem sempre deve caminhar ao reboque do social procurando garantir, apenas, a paz social. O Direito pode, ao arrepio do social corrente, impor uma nova maneira de convivência que a sociedade, obrigatoriamente, deve seguir, desde que conforme com os direitos fundamentais e com a Lei. O respeito a lei e aos direitos fundamentais é a alma do Estado de Direito, onde o Estado funda-se na legalidade e no respeito aos direitos fundamentais (e não nos costumes desconcordantes com a Lei). Ou seja, a lei é o princípio e o fim ou, na linguagem cristã, alfa e ômega.

Não podemos compactuar com praticas socialmente aceites mas que contrariem os direitos fundamentais e a lei. Este é um pensamento dirigido pela Filosofia de direito, o escape do Direito e a salvação de simples técnicos de Direitos ou juristas cegos.

A corrente feminista socorreu se deste pensamento para suplantar o pensamento machista que estava recalcado na consciência social. É assim que o adultério do marido, embora, socialmente aceite é ilegal e reprovável com a mesma intensidade quanto o adultério da esposa, é assim que na esteira da igualdade, a mulher pode adoptar o apelido da esposa e vice-versa, é assim que, embora algumas mulheres considerem que só se sentem amadas pelos seus esposos quando levam sovas e algumas aceitam isto, estas prática, à luz da lei é considerada atentatória aos direitos fundamentais, etc.

Hoje, é cada vez mais crescente esta idéia.

Portanto, embora, aparentemente o Direito caminha ao reboque do social, como regulador pode, em determinadas circunstâncias, inovar o social. Pode ser EMANCIPADOR, no sentido de imprmir uma nova dinâmica social, introduzir um novo modus vivendi, contrariar alguns costumes e dar um contributo significativo à sociedade.
Escrevi este parágrafo, apenas, para demonstrar que embora a terra vem sendo regulada pelo Direito privado, dadas as circunstâncias do momento pode ser tutelado pelo Direito Penal.

Conclusão

1º a lei de terras não foi feita para favorecer aos ricos. Embora o “negócio de terras” seja uma realidade, a solução é a “estatitização” da terra e o recrudescimento das medidas protectoras que garantam a efectivação desta medida. Uma das medidas é penalização do negócio de terras, bem como de todas as medidas fraudulentas tendentes a alcançar o mesmo objectivo.

2º não se pode pensar em privatizar a terra. isto porque Moçambique define se como um país fundamentalmente agrícola e maior parte da população vive no campo e praticante de agricultura de subsistência para prover os seus alimentos. Isto tem aliviado ao Estado no provimento de bens básicos para a sobrevivência. Além demais, privatizar a terra pode criar “os sem terra”.

3º embora a terra tenha sido tratada no Direito privado, até hoje, nada obsta que acolhendo às necessidade hodiernas, as normas penais possam tutelar aquele direito.

4º a propriedade intelectual está suficientemente regulada ou tutelada. Existem esforços notórios quer no âmbito legislativo como institucional. Mesmo que, provavelmente, haja alguns erros, é incomprieesível a conclusão do relatório em causa.»





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