Decorreu na tarde de segunda feira, 01 de Março, no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, a cerimónia de abertura do Ano Judicial 2010.
Foi a oportunidade para renovarmos as esperanças de uma justiça célere e voltada essencialmente para a satisfação dos interesses dos cidadãos.
Das intervenções dos oradores da cerimónia, não deu para disfarçar o ambiente algo sombrio que caracteriza o nosso sistema de administração da justiça. Intervenções à moda de «recados a quem de direito» marcaram quase todos os discursos dos intervenientes.
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Gilberto Correia, proferiu um discurso duro (que podes ler aqui), atacando as fragilidades do sistema de administração da justiça, revelando as graves irregularidades do sistema prisional, as flagrantes violações dos direitos dos Advogados entre outros pontos que poem em causa o Estado de Direito que Moçambique pretende ser.
Já o Procurador Geral da República, o juiz Augusto Paulino, que começou com uma «aula de Direito Processual penal, não deixou a oportunidade de lançar um «recadinho» aos que tanto falam dos «chumbos» que o Supremo decretou sobre os despachos da Procuradoria Geral. Paulino apelidou de «oportunistas» os que pretendem criar barulho sobre aquilo que ele considera de «divergências de aplicação ou interpretação da lei entre a procuradoria da República e o Tribunal Supremo». No seu entender, essas divergências são normais num Estado de Direito Democrático.
Ozias Ponja, recém nomeado presidente do Tribunal Supremo preferiu começar o seu discurso felicitando emotivamente o presidente da República pela sua reeleição, repetindo que a presença daquela figura era uma grande honra para o judiciário. Tocou igualmente no caso dos Tribunais Superiores de recurso que, em princípio entram em funcionamento este ano.O resto foram números e números até ao fim.
Já o Presidente da República, surpreendeu-nos ao deixar de lado os enfeites populistas para reconhecer que de facto há uma crescente percepção popular de que o aparelho judiciário moçambicano não funciona devidamente e que há evidências que apontam justamente para esse sentido.
Os reparos do Ilustre Bastonário da Ordem merecem uma particular atenção. De facto, temos assistido nas nossas Esquadras de Polícia, nas Cadeias e em muitos outros lugares onde o Advogado á chamado a intervir, a uma mais crescente hostilização desta classe de profissionais. Recordo-me que há dias desloquei-me a uma Esquadra da Cidade de Maputo, para defender um cliente meu que lá se encontrava detido ilegalmente. Pelos corredores da Esquadra fui interpelado por um agente policial que me pediu identificação, o que logo facultei. Ao se dar conta de que estava diante de um advogado, foi logo a gritaria: «amigo, isso é no Brasil. Em moçambique advogado não tem palavra na Esquadra». Mais palavras para quê??...
Quanto ao PGR, na tónica cínica que infelizmente parece querer habituar-nos, veio de novo brindar-nos com a retórica. No seu entender, as divergências de entendimento ou de interpretação da lei entre os tribunais e a procuradoria não devem alarmar ninguém, devendo até ser consideradas como a materialização do almejado Estado de Direito!!!
Digníssimo, isto até não seria problema se as tais «divergências» não resultassem quase invariavelmente em restrições injustas e excessivas da liberdade dos indivíduos. Na aula de processo penal que preferiu dar-nos na cerimónia de abertura, podia também ter acrescentado que em processo penal, as ditas «divergências» podem custar caro à imagem e liberdade dos cidadãos!
O que nos resta esperar?
Que 2010 seja um ano novo no que diz respeito à administração da Justiça em Moçambique.
Que a corrupção que corroi o nosso sistema seja definitivamente estancada, a bem de uma justiça realmente voltada aos lícitos interesses do Cidadão.
Que a actividade da procuradoria seja efectivamente no âmbito da garantia da legalidade e não em cumprimento de outras agendas.
Enfim, que a tudo seja feito para que O Estado ofereça ao cidadão uma Justiça Célere e Efectiva.
Bom Ano a todos!
12 comentários:
olá Gil!
Interessante essa matéria, vejo que é um resumo daquilo que foi a abertura do ano judicial, eu espero bem que se cumpram as palavras, ora ditas no discurso da abertura do ano.
E que o estado da nação seja realmente Bom, neste 2010.
já assistimos as terrivéis marcas de violência na cidade Beira
muitos ladrões e simplesmente a policia diz que está a trabalhar no ambito estratégico....Estratégico de quê?Se os ladrões entram e saem no mesmo dia...valha-me Deus!isso leva-os a loucura de fazerem justiça, "Assando" os ladrões, algo que acho desumano, pois tenho cá para mim que ninguém tem o direito de tirar a vida do seu próximo!
Beijocas
Linda
Pois é Linda!
As nossas esperanças se renovam a cada abertura de ano judicial.
Agora vamos ver se elas se concretizam!
Abraço
Ilustre colega
Não irei tecer comentários referentes ao texto acima.
Pretendo obter os teus sábios comentários se possível, acerca do programa que a nossa televisão brindou-nos ontem.
Após a novela a TVM deu em directo um debate que parece que pretendiam ate certo ponto discutir a sentença do caso ADM.
Levanta-me algumas inquietações que pode derivar da minha fraca percepção como a seguinte:
Como o CSMJ ou órgão competente permite que se faca um debate daquela natureza antes do transito em julgado da sentença?
Será que as opiniões levantados no debate não irão influenciar de alguma forma a decisão do Supremo. Embora tenha em mente que os juízes decidem de acordo com a sua consciência.
E já Agora ilustre colega, talvez por não ser muito comum cá entre nos, Peco que esclareça uma pequena duvida que tenho referente ao o facto de o Juiz ter concedido aos réus que estavam em liberdade a prerrogativa de aguardar o acórdão do Tribunal Supremo em liberdade caso recorram da sentença.
Como se processa este fenómeno?
Abraços
Caro Colega,
colocas no teu comentário um conjunto de questões bastante pertinentes e que também têm estado a inquietar a classe de juristas aqui do no nosso País e pelo mundo.
Não irei respondê-las e sim, comentá-las, abrindo assim mais portas para um debate definitivamente esclarecedor sobre as ditas matérias.
Começo pela transmissão pública da própria audiência de leitura da sentença por parte da nossa televisão pública, a Televisão de Moçambique (TVM).
No Direito Moçambicano, a actuação dos Tribunais é nomeadamente regida pelas disposições da lei n.º24/2007 de 20 de Agosto, Lei da organização judiciária (LOJ) que revogou a Lei Orgânica dos Tribunals Judiciais (a Lei n.º 10/92 de 06 de Maio).
Ora, a citada LOJ, no seu art. 13, n.º2 preceitua expressamente que «para a salvaguarda da verdade material e dos interesses e direitos legalmente protegidos dos intervenientes processuais, é proibida a produção e transmissão pública de imagem e som das audiências de julgamento».
Pelo que ficámos todos estupefactos quando foi publicitado pela nossa televisão que aquela audiência seria, afinal, transmitida em directo.
Talvez aqui se interprete a lei no sentido de que apenas é vedada a transmissão daquelas audiências em que o Tribunal ainda está a realizar a actividade de produção de prova. Nesse sentido, entender-se-á que a transmissão pública pode influenciar possíveis testemunhas e declarantes que poderiam posteriormente ser chamadas a depor.
Entendendo-se assim, realmente a audiência de leitura da sentença, por ser uma audiência em que o Juiz se limita a ler o veredicto final, não teria nenhum perigo em ser transmitida publicamente. Entretanto, entendo que tal interpretação devia ser definitivamente fixada pelo Supremo.
Quanto à discussão pública da Sentença em televisão (também na TVM), antes do seu trânsito em julgado, levantam-se inquietações de outra índole.
E já que a tal discussão foi feita pelos próprios advogados do caso, nada melhor do que percorrer o Estatuto da ordem dos Advogados de Moçambique, aprovado pela Lei n.º 28/2009 de 29 de Setembro.
O referido Estatuto estabelece expressamente que «o advogado não deve pronunciar-se publicamente nem discutir ou contribuir para discussão, em público ou nos meios de comunicação social, sobre as questões profissionais pendentes ou a instaurar perante os tribunais ou outros órgãos do Estado» (art. 80, n.º 1 do Estatuto).
Ora o «caso Aeroportos de Moçambique» por se encontrar ainda numa fase de senteça susceptível de recurso é um caso pendente, uma «questão pendente», nos termos do Estatuto, pelo que a sua discussão pública por advogados, em princípio, não é permitida por Lei.
Ressalve-se, porém, que a lei permite que se faça uma discussão daquela natureza quando «(...) a Ordem dos Advogados concordar com a necessidade de uma explicação pública, de forma a prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente, ou do próprio advogado (...)» (v. o mesmo artigo).
Nesse caso, o aadvogado deve requerer à ordem a permissão para tal discussão, indicando o âmbito das questões que julgue dever pronunciar-se sobre elas.
No nosso caso coloca-se a questão: foi essa autorização devidamente concedida pela Ordem? Tentarei saber!
Quanto à questão sobre os réus que aguardam a sentença final em liberdade, faço o seguinte comentário.
O princípio da presunção da inocência é um princípio estruturante do nosso Direito Processual Penal, significando o mesmo que o Arguido presume-se inocente até que seja condenado por uma sentença transitada em julgado (v. art.12 da LOJ).
Assim sendo, se para aqueles arguidos, no momento da sua acusação, o Ministério Público entendeu não ser necessária prisão preventiva, tal situação deve prevalecer até que seja emitida uma sentença com trânsito em julgado.
A sentença do Juiz Marroa, mesmo tendo sido condenatória, não pode alterar a situação daqueles arguidos, justamente porque ainda não transitou em julgado (a mesma só transitará em julgado se eles não recorrerem nos cinco dias concedidos. Caso Recorram, deverá esperar-se pelo Acórdão do Supremo).
Um Abraço colega e espero mais provocações tuas
Caro Colega,
no meu comentário de ontem, prometi que iria obter mais esclarecimentos sobre os contornos que rodearam as transmissões televiões e debates do «caso Aeroportos de Moçambique».
Quanto à transmissão da audiência de leitura da sentença, dúvidas não restam de que ela foi feita em manifesta violação da lei. Afirmo categoricamente isto depois de ter estado hoje em conversa com um dos Advogados do processo (cujo nome, por razões óbvias prefiro não revelar). A audiência de leitura de sentença é parte integrante do julgamento do julgamento e, como tal, a sua transmissão pública é expressamente vedada pela Lei. Aproveito aqui para apontar que aquela tranmissão só foi autorizada à Televisão de Moçambique e não para qualquer outra televisão.
Quanto à discussão pública do caso no debate de terça feira, vai o mesmo reparo: foi uma discussão ilegal. Com efeito, foi-me revelado que a Ordem dos Advogados não foi ouvida previamente a respeito daquele assunto. Retire-se daí a consequência lógica...!
Um Abraço
Ilustre colega
Permita me primeiro saudar-lhe pela rica e pronta resposta. Em segundo endereçar os meus agradecimentos pela explanação dada referente aos réus que aguardam o acórdão do Supremo em liberdade, o meu Muito obrigado. Penso que devo ter andado a “gazetar” algumas aulas de processo penal.
Deixe me dizer caro colega que assiste e gostei do debate. E penso que a nossa televisão devia brindar-nos mais vezes com debates de cariz construtiva e pedagógica em que ate certo ponto se possa discutir a ciência, mas com observância do estipulado por Lei.
Uma outra questão que se pode levantar ainda em volta do debate é a de saber onde estavam e o que faziam os órgãos de fiscalização da imprensa e a Ordem dos advogados quando a TVM antes da realização do debate passava os “spots” publicitários?
Parece me que alguém omitiu o seu dever de agir.
Penso que por agora é tudo, e ate a próxima.
Abraços
Aló Gil,
Apropósito da abertura do ano judiciário uma das tantas coisass que me cativaram foi a ância da ordem dos advogados em ver o protocolo do TPI ratificada pelo nosso país. Quais seriam os ganhos e perdas por nossa parte nisso?
Chacate,
bem vindo, meu irmão!
Olha, o apelo à ratificação do protocolo é no sentido de que o nosso País possa aliar-se aos esforços que são encetados em quase todo o mundo para uma plena defesa dos direitos humanos, promoção da paz, da Justiça e responsabilização dos perpetradores de graves crimes cometidos cometidos contra a Humanidade.
Entende-se que a não ratificação daquele protocolo pode dar azo a que o nosso País se torne refúgio de indivíduos procurados pela Justiça Internacional, como seria o caso dos autores do genocídio do Ruanda, por exemplo.
E que a ratificação permitiria que esses criminosos, uma vez encontrados aqui, fossem prontamente entregues para as autoridades competentes.
Advirto-lhe que esta me parece uma matéria sensível, que toca mesmo com a soberania dos Estados, daí a extrema cautela dos Países na ratificação deste protocolo.
um abraço!
Obrigado caro Gil, pensei que apenas fosse mais um mecanismo do ocidente controlar o III mundo!...
Pois é, meu caro,
temos de estar vigilantes!
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