Na sequência da série iniciada aqui sobre o regime jurídico do trabalho doméstico sob a perspectiva do Direito Moçambicano, reflectimos neste pequeno apontamento sobre a capacidade do contratado. Pode dizer-se que a questão fundamental que aqui se pretende responder é esta: quem pode, nos termos legais, ser empregado domestico?
Com efeito, o contrato de trabalho doméstico, mesmo consideradas as suas especificidades (nomeadamente as ligadas ao seu pouco formalismo e maior flexibilidade), não deixa de constituir um negocio jurídico celebrado entre pelo menos duas partes, devendo, por isso, sujeitar-se às regras respeitantes à capacidade das partes contratantes e, bem assim, à possibilidade física e legal do seu objecto negocial.
O Contrato de trabalho doméstico é definido por lei como sendo o acordo pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a outra, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas a um agregado familiar ou equiparado e dos respectivos membros, mediante remuneração (cf. art. 5 do Decreto 40/2008 de 26 de Novembro).
É assim evidente que nos encontramos diante de um contrato de trabalho, o que, desde logo, levanta a questão sobre a capacidade legal de quem presta o referido trabalho.
O número 2 do art. 4 do Decreto 40/2008 de 26 de Dezembro estabelece que "é vedado aos empregadores admitir ao trabalho doméstico menores que não tenham completado 15 anos de idade salvo os casos de autorização do respectivo representante legal, sendo, porém, vedada a contratação de menores com idade inferior a 12 anos".
Na ordem jurídica moçambicana, a maioridade atinge-se aos 21 anos de idade sendo que antes dessa idade, o indivíduo é considerado, de modo geral, incapaz de exercer os seus direitos.
Entretanto, esta regra geral conhece importantes excepções no âmbito do Direito, encontrando-se diversas situações em que a Lei permite que indivíduos menores de vinte e um anos possam, por si, figurar em relações jurídicas, autonomamente, movendo por si a sua esfera jurídica, isto é, exercitando os seus direitos.
Uma dessas situações verifica-se no âmbito das relações jurídicas laborais e, naquilo que aqui nos interessa, no âmbito das relações de trabalho doméstico.
Com efeito e como se afere facilmente do dispositivo normativo acima citado, no âmbito das relações do trabalho doméstico, a Lei não condiciona a capacidade de contratar ao alcance da maioridade civil por parte do empregado.
Como linha de princípio, todo o indivíduo com idade igual ou superior a 12 anos pode celebrar contrato de trabalho doméstico, aí figurando como empregado doméstico. Porem, é importante notar que o individuo com 12 anos ou mais, mas com menos de 15 anos, deve obter a autorização do seu representante legal para contratar, sendo que sem essa autorização, em princípio, o contrato pode ser invalidado, por atentar contra uma norma legal imperativa.
Já quanto aos indivíduos com menos de 12 anos de idade, verifica-se uma proibição absoluta de sua admissão para o trabalho doméstico. Nem uma autorização do representante legal poderá tornar este contrato válido, porquanto a sua celebração é absolutamente vedada por Lei.
Da citada disposição normativa parece dever concluir-se que o indivíduo maior de 15 anos não precisa de autorização do seu representante legal para celebrar um contrato de trabalho doméstico, podendo aí figurar, irrestritamente como empregado doméstico. É a disciplina que me parece resultar daquela disposição, sendo entretanto, assunto que pode ainda estar sujeito a debate que aqui se pode levantar.
Em jeito de conclusão neste pequeno apontamento, podemos então dizer que no Direito Moçambicano, os menores de 12 anos carecem absolutamente de capacidade jurídica para figurar como empregados domésticos no âmbito de um contrato de trabalho doméstico; os indivíduos maiores de 12 mas menores de 15 podem ser empregados domésticos, carecendo porém, de uma autorização do seu representante legal para o efeito; os maiores de 15 anos podem livremente contratar como empregados domésticos.
Tem sido prática nas famílias moçambicanas, empregar crianças oriundas de famílias desfavorecidas em trabalhos domésticos, pagando-se uma certa contra-partida as famílias. São relações que devem ser tidas com muito cuidado, tendo em conta os limites imperativos que a lei moçambicana coloca quanto à capacidade dessas pessoas para figurar como empregados domésticos.
Conflitos nessa espécie de relações poderão vir a ser resolvidos em outros fora, completamente diversos daqueles que respeitam a relações laborais por se entender que não se chegou a formar qualquer contrato de trabalho.
Continuaremos nesta serie a reflectir sobre esta importante área do comércio jurídico, com o objectivo de trazer ao conhecimento público as suas especificidades e contribuir para a melhoria das relações respectivas.
Um abraço e até breve
1 comentário:
Ajudou-me muito na compilação do trabalho de pesquiza da faculdade. É interessante.
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